Na foto do perfil ele usava uma camisa branca por baixo e um suéter preto. Estava em uma mesa de restaurante que tinha uma boa aparência. Miguel era educado e a conversa também era sempre maravilhosa. Dizia gostar de arte, de almoços com os pais e compras com os primos. Era canceriano. Fazia aniversário um dia antes que a Théo.
A conversa fluía como águas correntes. Falavam sobre perfumes - tinham os mesmos gostos e gostavam dos mesmos países. Ele dizia falar 5 línguas, enquanto Théo apenas o Português e “malé mal”. Alguns restaurantes em comum e um dilema - ele não gostava muito de dançar, mas mesmo assim plim plim, os olhinhos dela piscavam forte a cada mensagem recebida durante seus dias de amor virtual.
Miguel parecia perfeito, mas dizia não usar o whatsapp. Hoje em dia quem é que não fala no whatsapp? Para ele era importante preservar sua descrição, diante disso, convidou Théo para um café. Imediatamente veio um estalo à sua mente e ela se lembrou do “Edu Guedes” – o fake das Bahamas - e disse em pensamento: “E se ele não for o cara da foto? E na verdade, for calvo, bem mais velho de que 47 anos com cara de avô?”
Já imagino a cena na minha cabeça: Théo, toda elegante, de botas pretas altas até o joelho, meias calças/colant preto, uma bermuda preta e uma blusa de linha azul – aquelas bem quentinhas e elegantes, por baixo de um casaco preto que vai até o joelho também, chegando no café vazio com uma única mesa ocupada. Nela, um senhor de óculos espelhados – isso é apavorantemente brega, sem cabelos na cabeça, com os olhos fixados na tela do celular enquanto tomava seu “abatanado” (um tipo de café cheio e mais fraco). Ela entrava, olhava para todos os lados, avistava o único senhor no recinto e saia disfarçadamente desesperada como se tivesse errado de endereço. Risos
Depois do convite para o café, Théo imediatamente mudou de assunto. Ela não estava preparada para um encontro com qualquer pessoa que fosse. A ideia era encontrar alguém no aplicativo, mas ela não pensou na fase de que teria que se encontrar com essas pessoas para conhecer o tão esperado match perfeito.
Theodora insistiu no app de mensagens instantâneas mais usado no mundo. Jogou o seu número na conversa com Miguel e saiu do aplicativo de relacionamentos na esperança que ele falasse com ela no Whatsapp. Afinal, ela precisava saber se ele era de verdade.
Se passaram dois dias e nada do bonito aparecer. Théo resolveu voltar para o aplicativo pra ver tinha alguma mensagem. Enquanto isso, o App continuava a ofertar novos perfis. As fotos iam de um extremo ao outro de impacto. Alguns homens posavam dentro de carros com símbolos fortes no volante, alguns sem roupa, em praias, com cachorros, em festas com a bio “Carpe Diem”, outros não mostravam rostos. Milhares na academia que em Portugal chamam de Ginásio.
Tinha esses e tinha o Joaquim que descrevia na sua bio que era um gajo simples, divertido, gordinho, amigo do seu amigo e “acima de tudo solteiro e bom rapaz”. Ser solteiro nesse país e estar nos aplicativos de relacionamento não deve ser algo comum (risos). Parecia um bom rapaz, mas o dedo da Théo foi para a esquerda. É aquele negócio, quando é sincero demais tem que se desconfiar também.
Chegando nas conversas antigas, elas já não estavam mais lá. Nenhuma. Depois que Théo saiu e voltou ao aplicativo, todas as conversas sumiram, todas!! E agora, como encontrar Miguel? A partir daí, Théo foi a loucura a procura do bonito. Passou o dedo para a esquerda desesperadamente tentando reencontrá-lo. Tão desesperadamente que o aplicativo pensou que ela fosse um robô e solicitou uma selfie para confirmar sua identidade.
Lascou! A conta ficou em análise por um dia. Em foi banida, não se conseguia mais entrar ali. E o Miguel sumiu para sempre ou não? Théo teve a brilhante ideia de criar uma conta em um outro aplicativo, semelhante ao primeiro, mas lá quem dá o primeiro passo depois do match é a mulher. A conversa só começa se ela quiser. E começou tudo outra vez. Algumas carinhas conhecidas que apareciam no aplicativo anterior. Era divertido, muito divertido ler as biografias dos perfis.
Enquanto ela não encontrava o Miguel, porque não conhecer outras pessoas? Entre as idas e vindas dos dedinhos um match chamou a atenção da Théo. Nuno. Médico, 2 filhos, um cão. Morava perto dela e era um pai solteiro. Ele tinha o cabelo jogadinho para o lado. Barba serrada e parecia inteligente. Apesar de ter o estilo dela, a conversa foi pouca, ele nem deu moral pra ela. Médicos...
Nyló era músico. Tocava Violoncelo na Áustria. Só falava inglês e a Théo coitada, sofreu no google tradutor. Ele dizia não usar redes sociais, nem whatsapp: “I even don’t use smartphone, i use just laptop, I have no facebook, just Telegram on the laptop. I have phone – Nokia”. Ela claro, correu dele. Isso é problema e dos grandes. Alguém que não tem redes sociais hoje em dia tem algo pra esconder. É fato!
Dali em diante as perguntas continuavam as mesmas, as conversas sem graça, ninguém tão interessante como o Miguel apareceu, nem muito menos ele. Talvez porque ele não era o cara da foto e se passava pelo cara simpático da foto. Talvez por isso nunca mandou uma mensagem no whatsapp e sumiu do aplicativo. Deve ter mudado o nome ou colocado sua foto real.
Era fim de expediente de uma sexta-feira e Theodora desistiu mais uma vez de encontrar o amor por trás das telas. Ela resolveu comemorar o tempo perdido com alguns bons drinks e muitas risadas ao lado da melhor amiga, a Paula. Na mesa ao lado, um olhar bem forte e marcante fez com que estremeceu Théo. Era Miguel, bem ali do lado dela, em carne e osso. Ele a reconheceu e levantou o seu drink em direção a ela mencionando um brinde. Théo devolveu a menção com os olhos fitando os dele. Seus olhos brilhavam e os seus lábios tremiam. A música era bem calma e no fim das contas ela percebeu que o mundo real é bem mais gostoso, divertido que o virtual. Cheers!